Por Sebastiao Uchoa*
*Advogado do Escritório Uchoa, Coqueiro & Aragão, Advogados Associados, membro da Comissão da Advocacia Criminal da OAB/MA. |
Debruçado,
singelamente, na nova legislação que alterou dispositivos dos Códigos Penal e Processual
Penal, bem como de algumas legislações especiais, a exemplo da Lei de Execução
Penal brasileira (Pacote Anti-crime), tão logo foi publicada no Diário Oficial
da União, no final do mês passado, mais especialmente nos pontos atinentes à
criação dos chamados Juízos das Garantias e de Instrução, como corolário de
reforço, diria, à efetivação das Garantias Individuais insertas na Carta
Política de 1988 (plenitude da impessoalidade e postura imparcial do Poder Judicante).
Há avanços
civilizatórios e não tão contraditórios como alguns segmentos doutrinários têm
se manifestado, embora sejam finalisticamente faces da mesma moeda, pois na
prática, complementam-se, porém se tornando diferentes em apreciações, mas
convergentes diante do tronco comum chamado Justiça do bom Direito, pode-se,
assim, brevemente, registrar.
Sabe-se
que, tecnicamente, qualquer prisão em flagrante delito ou medidas cautelares a
exemplos das prisões temporárias, preventivas ou até mesmo busca e apreensão
domiciliar, quebras de sigilos telefônicos ou bancários etc. assim como outras
diligências chamadas persecutórias diversas, porém incidentais, sem exceção,
passam pelos crivos do Ministério Público como custo legis e pela palavra final, o próprio Poder Judiciário,
sobretudo como forma de controle do Leviatã
(Estado) especialmente na denominada fase pré-processual inquisitorial, seja lá
executada pela Polícia Judiciária ou na investigação criminal a cargo do
Ministério Público ou mesmo de outro órgão público que tenha autorização legal
para investigar.
O
fator determinante é que o chamado Juízo das Garantias, nas práticas
procedimental e processual, já constitui realidades cotidianas em toda a
tramitação legal de todas as demandas que requeiram medidas que somente com
autorização judicial poderiam e podem ser executadas. Isso é fato, mesmo diante
de algumas incertezas ou inconveniências por abusos cometidos por quem deveria
imparcial e impessoalmente até mesmo apreciá-las previamente.
Ora, o
crivo das “Garantias Constitucionais”, trata-se de realidade forense em todas
as acepções, acolá se vê abusos ou desvios sendo corrigidos no nascedouro, ou
seja, relaxamento de prisões ilegais e indeferimento de pleitos policiais ou
ministeriais, com até encaminhamento aos órgãos correcionais das instituições
que derem causa a qualquer tipo de condutas que ensejavam possibilidades de
abusos de autoridades cometidas por seus integrantes e quando das vezes,
remessas até mesmo de Reclamações às Corregedorias da própria Justiça, sem
prejuízos de recursos judiciais a disposição das partes que venham se sentir
lesadas de alguma forma.
É na
linha do raciocínio acima que podemos registrar a desnecessária criação do
Juízo das Garantias e até da Instrução, uma vez que a prática de tais
controles, vem sendo efetivada no mundo operacional do Direito Penal em nosso
país, desde os Códigos Processuais Penais de então.
E
casos pontuais de abusos ou desvios, não podem ser vistos como regra geral no
cenário da atividade estatal de controle, correção e ou repressão a condutas
delitivas das mais diversas espécies no Brasil, ainda que em tempos atuais.
No
entanto, é com o reforço, poderia dizer, da chegada do denominado Juízo de
Instrução em que nada participará da primeira fase de apreciação das provas
coletadas ou buscadas nas fases pré-processual ou procedimental (inquéritos
criminais) já veladas pelo Juízo das Garantias.
É no
diapasão supra que se pode afirmar que se poderá ter no Brasil, pela primeira
vez, uma apreciação judicial de fato ou situação onde direitos individuais
estejam sob a égide de suspeição aos acusados em geral, sob a ótica de uma
valoração que se aproxima mais dos princípios da impessoalidade e
imparcialidade, cujos subjetivismos de influências diretas e indiretas, possam
menos contaminar qualquer decisão judicial que venha a se afastar mais ainda do
critério do justo-legal a ser aplicado diante de um caso concreto, num segundo
plano de apreciação assim a ser valorado.
Acredita-se,
que com duas apreciações judiciais, complementares nas engrenagens, mas
independentes por excelências, ter-se-á a sensação do adágio “dar a César o que
é de César”, nos aspectos da aplicação do direito de forma mais original, ou
melhor, sem contaminação subjetiva de qualquer emoção, subjacente, sobretudo,
pois o filtro dessa mecânica procedimental, já será bem delimitado pelo próprio
Juízo das Garantais, que, envolvido emocional e diretamente com os fatos,
passará para um magistrado alheio, a capacidade de decidir de forma mais neutra
possível, aproximando mais e mais dos anseios da Justiça em todas as acepções
pertinentes.
Somente
quem opera o Direito na prática vivencia as realidades acima.
No
fundo, há um “buraco negro” de injustiças que são cometidas, ainda que muitas
garantias constitucionais sejam protegidas pelos juízos de garantias de fato
que já fazem muitos controles no cotidiano forense brasileiro, eis uma das
fortes razões de a Ordem dos Advogados do Brasil se pronunciar em favor da
existência dos Juízos de Garantias e, de
Instrução processual criados no “Pacote Anti-crime”, acima declinado, dentre
outras razões, acredito.
Há
controvérsias para todos os lados, especialmente embriagadas por posicionamentos
jurídicos e até politizados enviesados de interesses possivelmente
questionáveis, onde, sem uma compreensão macro, corre-se o risco de produzirem
interpretações casuais, trazendo perigos interpretativos ao suado construído
Estado de Direito brasileiro que a tantas resistências tem vencido batalhas
diversas na história política brasileira nesses últimos tempos.
A
recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Dias
Toffoli, em torno da presente temática, mais precisamente de não atender a
suspensão de alguns dispositivos do denominado “Pacote Anti-Crime” em sede de
pedido de liminares levado a cabo por partidos políticos, mais concretamente no
ponto inerente aos Juízos das Garantias e de Instrução, optando pela criação de
um grupo de trabalho perante o Conselho Nacional de Justiça para melhor
discutir a viabilidade da implementação de tal Juízo no cenário da Justiça do
Brasil, parece, em tese, que fulminou o discurso de algumas resistências
interna no Judiciário brasileiro, de que violaria a autonomia do Poder
Judiciário brasileiro, bem como de que não se teria condições estruturais para
efetivar tal mudança.
O
certo é o tempo quem melhor dirá, onde a nação brasileira, poderá, a médio e longo
prazos chegar às suas conclusões, especialmente, de que é preferível uma
justiça não tardia e justa, mas que não
falhe, a uma justiça de causalidade que somente alimenta o imaginário coletivo
que Justiça boa é aquela que condena mais e mau, e promove mais injustiça que
Justiça, olvidando-se que se tratam de faces de uma mesma moeda.