Atentos ao poder que a população tem com uma câmera filmadora em mãos, muitos policiais "confiscam" os aparelhos de filme ou foto dos manifestantes ou mesmo ordenam que os manifestantes cessem as filmagens como argumento de que não autorizaram as gravações e que tais gravações lesionam seu direito de imagem. Pois bem, eis o ponto chave da questão, os dois procedimentos estão errados e são ilegais, considerados assim abuso de autoridade e, portanto, passível de punição consoante os ditames do Código Penal Militar (CPM), bem como ainda, sendo passível o fato de apuração mediante sindicância interna junto à Corregedoria da Polícia Militar.
Ora, "confiscar" bem alheio e não devolver é crime tipificado pelo art. 259 do CPM, sendo assim considerado dano simples pelo referido dispositivo legal, cuja pena é a detenção de até seis meses. Já no caso em que o policial "confisca" sua câmera para impedir as gravações e lhe entrega depois de terminado o protesto, ocorre nesse momento um crime contra a liberdade amoldando-se como constrangimento ilegal tipificado pelo art. 222 do CPM que assim dispõe "Constranger alguém,mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer ou a tolerar que se faça, o que ela não manda:" . Isto porque, consoante ainda o disposto pelo art. 5º, II da Constituição Federal da República de 1988 (CFR/88) "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei" e, não há lei que impeça um cidadão de registrar as ações da polícia em um movimento grevista ou protesto social, pois, tal ato em verdade mais se parece com censura expressamente repudiada pela nossa legislação pátria.
De outro bordo, a ordem para que os manifestantes ou grevistas cessem as filmagens, também se amolda como censura, repudiada pela CFR/88. A CFR/88 cogita da liberdade de expressão expressamente em seu art. 5º, IV ao dispor que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato" e no inciso XIV do mesmo artigo " é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional", e também no art. 220, quando dispõe que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta constituição", e ainda o §1º "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV e §2º 'É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística'".
Ainda nesse trilhar, não há ainda que se falar em direito de imagem pelos policiais militares em tais casos, isto porque, consoante Acórdão do STF no julgamento da ADPF nº 130 que derrubou a Lei de Imprensa, dispensando assim a necessidade de diploma para que alguém seja jornalista, é preciso assegurar primeiramente a “livre” e “plena” manifestação do pensamento, da criação e da informação para, somente depois, cobrar do ofensor eventual desrespeito a direitos constitucionais alheios, “ainda que também densificadores da personalidade humana”.
A corte registra também que, em se tratando de agente público, ainda que injustamente ofendido em sua honra e imagem, "subjaz à indenização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque todo agente público está sob permanente vigília da cidadania. E quando o agente estatal não prima por todas as aparências de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico francamente sindicável pelos cidadãos". Ou seja, para os ministros a crítica jornalística sobre esses agentes não é suscetível de censura, mas, não está livre de reparação por danos morais quando preenchidos os requisitos de caracterização deste.
Ademais, tal ordem para cessar as filmagens é considerada censura, não podendo ainda ser exigido que o portador da câmera seja jornalista credenciado para registrar os momentos da greve ou protesto social, uma vez que qualquer cidadão portando uma câmera pode ser considerado jornalista, além do que, o mero registro da imagem do agente investido na função pública e, portanto, sob constante vigília da cidadania não é capaz de gerar dano.
Portanto, não se deixe levar pelos atos abusivos de certos policiais que não entendem corretamente qual é o seu dever perante à sociedade. Tenha uma coisa sempre em mente, geralmente, quando o exercício de um direito chega a causar dano ao direito de outrem, é porque algo está errado, ou agente do direito o está exercendo em excesso, ou totalmente ao arrepio da lei. Digo geralmente, porque devemos observar o princípio da "Supremacia do interesse público sobre o particular", sendo no caso em tela de interesse público a informação, de modo que, não se pode justificar a censura praticada por alguns policiais sob o argumento de tal princípio.
*Ver publicação: MANIFESTAÇÃO X REVOLUÇÃO
Veja a íntegra do Acórdão do julgamento da ADPF nº 130 pelo STF aqui.