No JP com exclusividade, Gláucio Alencar acusa delegados do ‘caso Décio’ de direcionar os trabalhos para ‘blindar’ o grupo político da família Teles.


Agora a íntegra da reportagem de OSWALDO VIVIANI:

‘O deputado Rigo Teles falou com Décio meia hora antes de ele ser assassinado’

 ‘Investigação do ‘caso Décio Sá’ foi dirigida e desprezou a linha Barra do Corda’
Rigo Teles rindo sobre o caixão de Décio Sá

FOTO DO BLOG MARRAPÁ
‘Júnior Bolinha ligou para Pedro Teles 2 vezes no dia do assassinato de Décio e uma na manhã seguinte’

Preso há mais de seis meses no Quartel do Comando da Polícia Militar do Maranhão, no Calhau (São Luís), o empresário e acusado de agiotagem Gláucio Alencar Pontes de Carvalho, de 35 anos – denunciado à Justiça como mandante do assassinato do jornalista Aldenísio Décio Leite de Sá, de 42 anos, em 23 de abril do ano passado – falou ao Jornal Pequeno com exclusividade, por meio de parentes e amigos, que enviaram ao preso, durante cerca de um mês, perguntas do jornal por escrito.

De sua cela de 4 por 4 metros, com um banheiro sem porta – que divide com o pai, José de Alencar Miranda Carvalho, 73, e com Fábio Aurélio do Lago e Silva, o ‘Buchecha’, 33, ambos também denunciados por participação no homicídio –, Gláucio Alencar acusou a comissão de seis delegados que investigou o ‘caso Décio’ de direcionar os trabalhos para ‘blindar’ o grupo político da família Teles, de Barra do Corda, aliada do governo estadual. A família tem como membros proeminentes o ex-prefeito Manoel Mariano de Sousa, o ‘Nenzim’ (PV), e dois filhos deste – o deputado estadual Rigo Alberto Teles de Sousa (PV) e o empresário Pedro Alberto Teles de Sousa.

De acordo com Gláucio, não só no homicídio que vitimou o jornalista, mas ao menos outros quatro crimes de pistolagem – três ocorridos em Barra do Corda e um em Teresina (PI) – têm envolvimento dos Teles – chamados, numa reportagem da revista IstoÉ, após serem presos em fevereiro de 2011 pela Polícia Federal, por desvios de recursos públicos, de ‘Família Metralha’.

Gláucio acusou Pedro Teles de ser o mandante, além do assassinato de Décio Sá, das mortes do líder comunitário Miguel Pereira da Silva, o ‘Miguelzinho’, em 1997; do advogado Almir Silva Neto, em dezembro de 2008; do negociante de carros – e também envolvido com agiotagem – Fábio dos Santos Brasil Filho, o ‘Fabinho’, em março de 2012; e do vereador Antonio Aldo Lopes Andrade, em setembro de 2012.

Segundo Gláucio, os assassinatos – todos com características de crimes de encomenda – foram apurados pela polícia, mas, à exceção do que vitimou ‘Miguelzinho’, morto após ter ocupado um terreno da família Teles (pelo qual Pedro Teles deve ir a júri popular, apontado como mandante), ‘nos outros casos, assim como no ‘caso Décio’, a polícia chegou aos executores, mas acabou responsabilizando inocentes como mandantes’.

Décio Sá postou em seu blog uma matéria sobre o ‘caso Miguelzinho’ no dia em que foi assassinado, e falava ao celular sobre o assunto com o então vice-prefeito de Barra do Corda, Aristides Milhomem de Sousa, quando o pistoleiro paraense Jhonatan de Sousa Silva, 24 anos, o executou com 6 tiros.

‘Caso Fábio Brasil’ – Ao JP, Gláucio se declarou inocente em relação ao assassinato de Décio Sá e a outro crime pelo qual igualmente é apontado pela polícia como mandante: a execução de Fábio Brasil, ocorrida em Teresina no fim de março do ano passado.

Segundo Gláucio, a viúva de Fábio Brasil, Patrícia Gracielli Aranha Martins, em seu depoimento à polícia do Piauí – ao qual o JP teve acesso –, descartou qualquer suspeita sobre ele. ‘Gláucio era um medroso’, depôs Patrícia. A viúva também informou à polícia que o marido tinha débitos com mais de 60 pessoas e que o maior credor de Fábio era Pedro Teles, a quem o negociante de carros devia cerca de R$ 800 mil.

Conforme o depoimento de Patrícia, Fábio também devia altas somas a outros supostos agiotas, entre eles Telmo Mendes Júnior (irmão da desembargadora Nelma Sarney; R$ 400 mil); Eduardo José Barros Costa (o ‘Eduardo DP’, da cidade de Dom Pedro, filho da ex-prefeita Arlene Costa; R$ 400 mil); João Batista Magalhães (o ‘Magáiver’; R$ 180 mil); e Sidarta Gautama Farias Maranhão (juiz de Caxias; R$ 110 mil).

O deputado estadual Marcos Antonio de Carvalho Caldas (PRB) também aparece no rol de credores de ‘Fabinho’. A dívida seria de R$ 60 mil, segundo a viúva da vítima.

Gláucio disse ao JP que não tinha motivos para encomendar o assassinato de ‘Fabinho’, com quem fazia negócios envolvendo várias prefeituras do interior, porque já havia resolvido com ele suas pendências financeiras – que perfaziam R$ 180 mil –, numa reunião na qual Fábio e Patrícia repassaram uma empresa a Gláucio.

‘Quem teria mais interesse na morte de Fabio Brasil: eu, que já havia considerado a dívida dele comigo quitada, ou alguém a quem ele devia R$ 800 mil, uma pessoa com histórico criminal e conhecida por resolver seus problemas à bala?’, questionou Gláucio, para quem José Raimundo Chaves Júnior, o ‘Júnior Bolinha’ (também preso), intermediou, a mando de Pedro Teles, tanto o assassinato de Fábio Brasil, como o do jornalista Décio Sá – ambos confessados por Jhonatan de Sousa Silva.

Disse Gláucio ao JP:

‘O blog do Décio postou 37 matérias contra a família Teles em um ano, enquanto nenhuma foi publicada citando meu nome. Houve, sim, menções ao meu nome em comentários no blog, quando da postagem sobre o assassinato de Fábio Brasil. Por isso, eu pedi, primeiro ao Fábio Câmara [vereador recém-eleito por São Luís, ligado ao secretário estadual de Saúde, Ricardo Murad, e amigo de Décio Sá] e depois ao Ronaldo [Ronaldo Henrique Santos Ribeiro, ex-advogado de Gláucio e também amigo do jornalista], que conseguissem marcar uma conversa com Décio, o que ocorreu no escritório de Ronaldo, na Península da Ponta d’Areia, na época da Semana Santa de 2012. Ficou acertado que Décio não publicaria mais nada sobre o caso, o que realmente ocorreu. Houve um acerto financeiro com Décio, não sei de quanto. Ronaldo foi quem pagou Décio. O fato é que – antes desse acerto ou depois – nunca, eu e meu pai [José de Alencar Miranda Carvalho], tivemos nada contra o Décio que motivasse fazermos qualquer coisa contra ele, diferentemente do Pedro Teles, que viu no blog do Décio, durante um ano, quase 40 matérias contra a família Teles. A última delas, por sinal, publicada no dia da morte do jornalista (23 de abril de 2012), denunciando um ‘jogo de cartas marcadas’, pois, das 25 pessoas selecionadas pela Justiça – das quais sete seriam escolhidas para compor o júri de Pedro Teles –, 20 tinham alguma ligação com a família do réu. E Décio não fazia segredo a ninguém de que tinha mais ‘bombas’ sobre o júri do ‘caso Miguelzinho’, que por sinal foi suspenso depois das denúncias. Está claro que Pedro Teles tinha muito mais motivos do que eu para mandar matar Décio Sá e Fábio Brasil, mas a investigação policial foi, o tempo todo, dirigida a condenar inocentes e desprezar a ‘linha’ Barra do Corda, a fim de proteger aliados do governo. O ‘Capita’ [Fábio Aurélio Saraiva Silva, ex-subcomandante do Batalhão de Choque de PM-MA, preso acusado de fornecer a arma usada no assassinato de Décio Sá, uma pistola ponto 40] e o ‘Buchecha’ também são inocentes.’

‘Peças importantíssimas desprezadas’ – Conforme Gláucio Alencar, a polícia maranhense ‘desprezou peças importantíssimas’ no inquérito que resultou na denúncia de ele ser o mandante do assassinato Décio Sá. ‘E o inquérito do ‘caso Fábio Brasil’, feito pela polícia do Piauí, também está viciado, pois foi feito com base em provas ‘emprestadas’ dos autos do processo do ‘caso Décio’. Ou seja, não houve investigação sobre a morte de Fábio Brasil’, disse Gláucio.

Um exemplo de desprezo da polícia por elementos importantes, afirmou Gláucio, foi a informação constante no depoimento do jornalista e blogueiro Marco Aurélio Nunes D’Eça (colega de profissão e amigo de Décio) de que ele (D’Eça) recebera, na tarde de 27 de abril de 2012, uma mensagem por celular de outro blogueiro, Luís Pablo Conceição Almeida (filho do também jornalista e blogueiro Luís Assis Cardoso Silva) informando que o deputado Rigo Teles disse a ele (Luís Pablo), no velório do jornalista, que havia conversado por celular com Décio Sá meia hora antes de sua morte.

‘Se o deputado Rigo Teles falou com Décio às 22h do dia 23 de abril de 2012, a polícia deveria raciocinar que a conversa ocorreu exatamente no horário em que o pistoleiro Jhonatan disse, em depoimento, que perdeu o carro do jornalista de vista. Por que a polícia não foi atrás disso? O pistoleiro poderia muito bem ter ligado para o ‘Bolinha’, que acionou alguém da família Teles e o deputado entrou no circuito, para obter a informação de onde Décio estava. O deputado poderia muito bem ter falado com Décio e informado ao pistoleiro que ele estava no Estrela do Mar. O Jhonatan afirmou à polícia que, depois que perdeu o Fox prata de Décio de vista, o encontrou na Litorânea ‘do nada’, apenas checando, nos carros que avistava, a marca e a cor. Isso é difícil de acreditar. É tão inverossímil e questionável quanto a versão inicial do pistoleiro sobre o destino da arma do crime, que ele inicialmente disse ter atirado no mar, numa viagem de ferryboat à Baixada Maranhense, e depois levou a polícia a um local nas dunas da Litorânea, e a suposta arma – uma pistola ponto 40 – foi achada enterrada. Não tenho dúvida de que alguém avisou Jhonatan que o Décio estava no Estrela do Mar’, disse Gláucio Alencar ao JP.

Ligações de ‘Bolinha’ a Pedro Teles – Outras peças da investigação, obtidas com a quebra de sigilos telefônicos – que, para Gláucio Alencar, comprovariam sua inocência –, também foram desconsideradas pela polícia, segundo o acusado.

Relatou Gláucio ao JP:

‘Júnior Bolinha ligou para Pedro Teles duas vezes no dia do assassinato de Décio [23 de abril] e uma na manhã seguinte. Essa última ligação, feita às 7h23, durou apenas 30 segundos. A polícia tem essa informação, obtida no detalhamento de serviços de longa distância da TIM, e no inquérito ocultou esse fato importantíssimo. Bolinha foi perguntado sobre as ligações num depoimento e numa acareação comigo. No depoimento, ele invocou seu ‘direito constitucional de ficar calado’, mas na acareação, novamente questionado, ele confirmou que as ligações haviam existido. Diante disso, meu advogado pediu ao delegado Jeffrey Furtado que fosse consignada a informação. Porém, o delegado disse que era ele quem presidia o inquérito e não iria colocar esse fato, o que gerou um ‘bate-boca’ entre o advogado e a autoridade policial.

Outro fato relevante desconsiderado pela polícia: o homem conhecido como ‘Neguinho’, um paraense que apresentou o pistoleiro Jhonatan para Júnior Bolinha, segundo a polícia, era ‘cobrador’ de Pedro Teles. Isso está no depoimento do próprio Bolinha. ‘Neguinho’ teve participação importante no assassinato de Décio, e está foragido até hoje. A polícia sequer se empenhou em obter sua identificação completa, e por isso a denúncia contra ele foi negada pelo Ministério Público.

Em relação ao ‘caso Fábio Brasil’, depois de o Júnior Bolinha insistir e me pressionar para participar do assassinato do Fabinho, enviei a ele [Bolinha], pelo celular de minha noiva, uma mensagem, à 00h18 do dia 30 de março de 2012, um dia antes do crime, em que deixo claro que não concordava com a ideia. ‘Não faz isso não, cara, não tenho interesse nisso’, foi a mensagem. Depois do crime, o Júnior Bolinha me procurou para tentar me extorquir. Eu falei com ele e gravei a conversa. Nela, há trechos em que eu pergunto: eu mandei fazer isso [matar Fabio Brasil]?, e o Bolinha admite que eu não havia mandado. As polícias do Piauí e do Maranhão tiveram acesso a todas essas peças, mas simplesmente desconsideraram’.

Treze acusados foram indiciados pela polícia; sete estão presos

O jornalista Décio Sá, que trabalhava na editoria de política do jornal O Estado do Maranhão – integrante do Grupo Mirante, da família Sarney –, foi assassinado com seis tiros (cinco deles fatais) de pistola ponto 40, no dia 23 de abril do ano passado, no bar e restaurante Estrela do Mar, um estabelecimento à beira-mar, na Avenida Litorânea, em São Luís.

O crime repercutiu nacional e internacionalmente, e a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA), que tem à frente Aluísio Guimarães Mendes Filho, colocou as investigações sob sigilo e criou uma comissão de seis delegados para investigar o caso: Jeffrey Paula Furtado (presidente da comissão), Maymone Barros Lima, Guilherme Sousa Filho, RobertoWagner Leite Fortes, Augusto Barros Neto e Roberto Mauro S. Larrat. O Disque-Denúncia do Maranhão divulgou que uma recompensa de R$ 100 mil estava sendo oferecida por dois empresários para quem fornecesse informações à polícia que levassem à elucidação do homicídio.

Dois dias depois do crime (25 de abril), foram presos Valdênio José da Silva e Fábio Roberto Cavalcante Lima, ambos por suposta participação no assassinato, suspeita nunca comprovada. Libertado em 26 de maio, Valdênio foi assassinado a tiros em 11 de junho em sua casa, no município de Raposa (vizinho a São Luís). Fábio Roberto seguiu preso, respondendo por outras acusações, e não se sabe se continua detido.

Em 13 de junho, ao fim de mais de 50 dias de investigações – em que foram ouvidas cerca de 60 pessoas, entre funcionários de alguns dos restaurantes frequentados por Décio Sá (Estrela do Mar, Estrela Dalva O Gaúcho e Dona Maria), blogueiros, parentes, amigos e evangélicos que faziam um culto nas dunas da Litorânea e viram o assassino fugindo –, a polícia maranhense desencadeou a operação ‘Detonando’ e deu o ‘caso Décio’ como elucidado. O homicídio teria sido encomendado por R$ 100 mil.

Sete acusados de envolvimento foram presos, indiciados pela polícia e denunciados à Justiça pelo Ministério Público. São eles:

O assassino confesso do jornalista, o paraense de Xinguara Jhonatan de Sousa Silva, de 24 anos (preso antes da ‘Detonando’, em 5 de junho, em São Luís, com drogas e armas; já transferido para um presídio federal, em Campo Grande, no MS);

. Gláucio Alencar Pontes Carvalho, 35 (empresário, acusado também por prática de agiotagem; hoje preso no Quartel do Comando da PM, no Calhau);

. José de Alencar Miranda Carvalho, 73 (pai de Gláucio; também acusado por agiotagem; está preso com o filho no Calhau);

. José Raimundo Sales Chaves Júnior, o ‘Júnior Bolinha’, 38 (empresário do ramo de automóveis e representante comercial de bebidas em Santa Inês (MA); teria feito o papel de intermediador entre o assassino, Jhonatan de Sousa, e os mandantes do crime; está preso na Unidade de Recolhimento de Regime Diferenciado – URRD –, na Liberdade);

. Fábio Aurélio do Lago e Silva, o ‘Buchecha’, 32 (trabalhava para Júnior Bolinha; segundo a polícia, ajudou na operacionalização do assassinato de Décio Sá; preso no Quartel do Comando da PM).

. Fábio Aurélio Saraiva Silva, o ‘Fábio Capita’, 36 (capitão da PM-MA; era subcomandante do Batalhão de Choque da corporação; para a polícia, foi ele quem forneceu a Júnior Bolinha – de quem é amigo de infância – a pistola ponto 40 usada por Jhonatan de Sousa para executar Décio Sá; a acusação nunca foi comprovada, mas o capitão segue preso; está no Quartel do Calhau).

. Marcos Bruno da Silva Oliveira, 28 (natural de Bacabal, foi preso em 7 de novembro do ano passado; foi ele, segundo a polícia, o verdadeiro ‘piloto de fuga’ de Jonatan de Sousa; preso em local não revelado).

Três pessoas indiciadas pela polícia ainda estão foragidas:

. Shirliano Graciano de Oliveira, o ‘Balão’, 27 (cunhado de Marcos Bruno; teria ajudado na operacionalização do assassinato de Décio Sá; denunciado pelo MP);

. Elker Farias Veloso, o ‘Diego’, 26 (apontado por Jhonatan de Sousa como seu ‘piloto de fuga’; a polícia, no entanto, diz que essa função foi realizada por Marcos Bruno da Silva Oliveira; Elker foi indiciado e denunciado por dar apoio logístico ao pistoleiro);

. Homem conhecido como ‘Neguinho’ (foi indiciado pela polícia, mas o MP não aceitou fazer denúncia contra ele, por falta de qualificação completa; paraense, teria apresentado o executor do crime, Jhonatan de Sousa, ao suposto intermediador, Júnior Bolinha).

Também foram indiciadas pela polícia e denunciadas pelo Ministério Público, por envolvimento no assassinato de Décio Sá, as seguintes pessoas, que não foram presas:

. Os investigadores da Superintendência Estadual de Investigações Criminais (Seic) Alcides Nunes da Silva e Joel Durans Medeiros (dariam suporte informal aos suspeitos de agiotagem Gláucio Alencar e José de Alencar Miranda);

. Ronaldo Henrique Santos Ribeiro (ex-advogado de Gláucio Alencar; também era amigo do jornalista assassinado; apontado pela polícia como ‘braço jurídico’ de agiotas que atuam em várias prefeituras do Maranhão).

As primeiras audiências na Justiça sobre o ‘caso Décio’ estão marcadas para ocorrer nos dias 28, 29, 30 e 31 próximos, na 1ª Vara do Tribunal do Júri, no Fórum do Calhau. As audiências serão presididas pela juíza Ariane Mendes Castro Pinheiro, titular da Vara.

Situações não esclarecidas – As investigações sobre o assassinato do jornalista Décio Sá foram marcadas por situações até hoje não esclarecidas. Entre elas, a mais grave foi a suspeita de que os depoimentos do pistoleiro Jhonatan teriam sido ‘ensaiados’ para incriminar o deputado estadual Raimundo Cutrim (PSD). Jhonatan teria concordado em mencionar o nome do deputado (desafeto do secretário de Segurança Pública Aluísio Mendes), em troca da liberdade de seu primo, o também paraense Gleyson Marcena de Sousa, 26, preso com Jhonatan, no dia 5 de junho, em São Luís, com drogas e armas. Gleyson – que não teve nenhum envolvimento no assassinato do jornalista, segundo a polícia – fugiu pelo telhado da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos, na Vila Palmeira, em 20 de outubro último, e até hoje não foi recapturado.

Também ficou ‘no ar’ o assassinato de Valdênio José da Silva – primeiro suspeito do crime preso (em 25 de abril). Libertado em 26 de maio, Valdênio foi assassinado a tiros 16 dias depois, em 11 de junho. O crime nunca foi esclarecido.

Outra lacuna: os nomes das prefeituras envolvidas em agiotagem – assunto que tem um inquérito desmembrado do ‘caso Décio’ – permanecem sem ser divulgados, apesar de promessa do secretário Aluísio Mendes nesse sentido. Em seu depoimento à polícia do Piauí, Patrícia Gracielli Aranha Martins, viúva de Fábio Brasil, mencionou as prefeituras de Dom Pedro, Rosário e Paço do Lumiar como ‘clientes’ do esquema de agiotagem. Até o fim do ano passado, esses municípios eram administrados por Arlene Costa, Marconi Bimba e Bia Venâncio, respectivamente.

Por fim, a SSP-MA nunca se pronunciou sobre a situação de Airton Martins Monroe, preso no Terminal do São Cristóvão, na operação ‘Detonando’. Ele teria sido confundido com outro suspeito. (CONTINUA NA PRÓXIMA PÁGINA)

Depoimentos indicaram ‘linha Barra do Corda’

O Jornal Pequeno teve acesso a depoimentos do ‘caso Décio’ que claramente indicaram à polícia uma atenção especial à linha investigativa de que o mando do assassinato do jornalista teria partido da cidade de Barra do Corda. Veja trechos:

Marco Aurélio Nunes d’Eça (jornalista e blogueiro)

‘Que sempre que Décio Sá ia soltar uma notícia bombástica, ele tinha por hábito antecipar o fato a pessoas próximas (…) que na segunda-feira, 23 de abril [dia do assassinato de Décio], na Assembleia Legislativa, em meio a jornalistas, ao ser questionado sobre a postagem referente ao júri de Pedro Teles, Décio disse que iria ‘detonar uma nova bomba’ sobre o assunto, que iria provar a fraude que seria aquele júri (…) que era voz corrente no local do crime que a motivação do assassinato teria partido de Barra do Corda (…) que o depoente recebeu uma mensagem no seu celular, às 17h do dia 27 de abril, do blogueiro Luís Pablo (filho do jornalista e também blogueiro Luís Cardoso), cujo teor era o seguinte: ‘Tenho uma revelação para fazer sobre alguém saber que Décio estava no local [bar e restaurante Estrela do Mar]. No velório, o deputado Rigo Teles me falou que havia conversado com Décio por volta das 22h do dia de sua morte. Tire sua conclusão e mantenha sigilo do que eu disse’. Que, também por meio de mensagem, o depoente respondeu a Luís Pablo: ‘Gravíssimo, Pablo. Tu tens certeza?’ Que Luís Pablo respondeu ao depoente: ‘Absoluta. Quando ele [Rigo Teles] me falou, levei um susto. Se você quiser depois checar a informação, tenta sondar. Pergunta a ele, sem dar bandeira, que talvez ele possa dizer. Ele me disse que assim que saiu do Estádio Nhozinho Santos, após o jogo do Cordino [Moto Club 4 x 2 Cordino], falou com o Décio, por volta das 22h’ (…) que Décio Sá já havia postado em seu blog denúncia da participação de Júnior Bolinha em roubo de trator em Santa Inês, o que fez com que Bolinha perdesse a bandeira da Coca-Cola naquela cidade.’ (Págs. 337, 338, 339 e 342 do Inquérito Policial)

Aristides Milhomem de Sousa (ex-vice-prefeito de Barra do Corda; irmão do deputado estadual Carlos Alberto Milhomem, do PSD)

‘Que por volta das 22h30 do dia 23 de abril, o depoente estava em sua residência, em seu repouso noturno, quando o telefone tocou; que atendeu a ligação, vinda do telefone de Décio Sá; que Décio disse: ‘Já está dormindo de novo?’; que o depoente começou a conversar com Décio a respeito de uma pesquisa sobre a sucessão na Prefeitura de Barra do Corda; (…) que em dado momento Décio Sá repentinamente mudou de assunto, e perguntou se o depoente já havia visto a postagem em seu blog acerca do júri que ocorreria em Barra do Corda em 25 de abril; que esse júri tinha o objetivo de julgar Pedro Teles, um filho do atual prefeito, Nenzim ['caso Miguelzinho']; que o depoente disse a Décio que ainda não havia lido tal postagem, e só iria lê-la no dia seguinte, pois estava na hora de dormir; que então não mais ouviu a voz de Décio Sá, ouvindo no telefone apenas um som parecido com uma flexa cruzando o ar; que começou a chamar Décio pelo telefone, mas ele não mais atendeu; (…) que então o depoente ligou para Fábio Câmara e contou o ocorrido; que Fábio Câmara ligou para Décio duas vezes e retornou ao depoente, dizendo que iria ao bar e restaurante Estrela do Mar, onde tinha marcado um encontro com Décio; que Fábio Câmara disse que estava na Avenida Litorânea, mas o depoente não se recorda se o mesmo especificou em que lugar, nem se estava acompanhado ou sozinho; que o depoente fez contato telefônico pelo menos mais duas vezes com Fábio Câmara, quando finalmente ele disse que Décio Sá havia sido assassinado; (…) que Décio Sá tinha um posicionamento radicalmente contra crimes de pistolagem, principalmente no âmbito político; (…) que o júri de Pedro Teles foi suspenso.’ (Págs. 324, 325 e 326 do IP)

Hostílio Caio Pereira da Costa (jornalista e blogueiro)

‘Que o depoente conheceu Décio Sá em 2002 (…) e mantinha uma relação de amizade muito estreita com ele. (…) Que certa vez Décio Sá disse ao depoente que só não ‘batia’ em três pessoas: a governadora Roseana Sarney, o ex-presidente José Sarney e Ricardo Murad [secretário de Saúde e deputado estadual licenciado]. (…) Que Décio Sá era uma pessoa impulsiva e incontrolável. (…) Que, durante uma festa, a governadora Roseana Sarney perguntou para Décio porque ele ‘batia’ tanto no secretário Luís Fernando Silva [Casa Civil]. (…) Que Décio disse para a governadora que Luís Fernando pagava jornalistas para falar mal dele; (…) que a governadora disse para Décio Sá: ‘Décio, eu não vou derrubar o Luís Fernando, ele é meu amigo’. (…) Que certa vez o deputado Stênio Rezende [PMDB] fez a seguinte indagação: ‘Afinal, quem Décio escuta?’(…) que o depoente afirma que Décio só respeitava Dona Tetê [Teresa Cristina Murad Sarney; mulher de Fernando Sarney; irmã de Jorge e Ricardo Murad], dona do jornal O Estado do Maranhão, pois quando Décio cismava com alguém ou alguma coisa ninguém poderia segurá-lo; (…) que em relação à últimas postagens de Décio, a que mais chamou a atenção foi sobre o júri popular de Pedro Teles (…) que Décio conseguiu demonstrar que a sessão do júri seria um ‘jogo de cartas marcadas’, tornando certa a absolvição de Pedro Teles, acusado de mandante de crime de pistolagem ['caso Miguelzinho']. (…) Que o depoente disse para Décio Sá que aquela postagem era muito perigosa, certamente mexia com a liberdade de algumas pessoas. Que Décio respondeu: ‘Que nada, eu tenho outra bomba para soltar’. Que Décio não chegou a falar para o depoente que ‘bomba’ seria essa. Que o depoente acredita que Décio tenha sido assassinado por algo que ainda iria postar. (…) Que acredita que Décio Sá, quando saiu da Mirante, já estava sofrendo ‘alguma coisa’. Que tem essa concepção porque, no caminho da Mirante até a praia, Décio Sá ligou para Antonio [Antonio Martins Filho, conhecido como 'Nego John', assessor de Fábio Câmara], de extrema confiança de Décio, para ambos se encontrarem na praia, mas não deu tempo de Antonio chegar ao encontro, e a mesma coisa aconteceu em relação a Fábio Câmara.’ (Págs. 330, 331, 332 e 333 do IP)

Fabiane Viana Serrão (cunhada de Décio Sá, mulher de Aldenírio Plínio Leite de Sá, policial militar)

‘Que por volta das 11h [do dia 24 de abril] a declarante se deslocou ao velório de Décio Sá, em companhia de seu irmão e de seu esposo, Plínio. Que aproximadamente às 14h chegou ali a pessoa do deputado Rigo Teles, o qual não cumprimentou ninguém e se dirigiu diretamente ao caixão. Verificou o corpo de Décio Sá e em seguida deixou o local, ao telefone. Que Rigo Teles passou poucos segundos diante do caixão, saindo dali em direção à lateral que dá acesso à saída da Central de Velórios. Que sequer Rigo Teles cumprimentou os familiares que ali estavam . Que a impressão passada pela conduta de Rigo Teles foi de que teria estado ali somente para certificar-se de que Décio estava morto de fato. Que a declarante não era de ler efetivamente as postagens do blog de Décio Sá, e que somente na faculdade [Facam – Faculdade Cândido Mandes, no Renascença] ficou sabendo acerca de uma das últimas postagens de Décio, sobre uma lista de pessoas que participariam de um júri na cidade de Barra do Corda, júri este que envolvia um dos irmãos do deputado Rigo Teles [Pedro Teles].’ (Pág. 279 do IP)

Itevaldo Ribamar Soares Costa Júnior (jornalista e blogueiro):

‘Que referente à postagem do júri popular de Pedro Teles, irmão do deputado estadual Rigo Teles e filho de Nenzim, o depoente disse a Décio Sá: ‘Tu botou pra fuder com os caras’, tendo Décio dito: ‘Isso [os Teles] é só veneno’.’ (Pág. 246 do IP)

Gravação põe Aluísio Mendes sob suspeita de favorecimento político

‘CASO ALDO ANDRADE’

Uma gravação, na qual o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Aluísio Mendes, fala sobre o caso do assassinato a tiros do vereador Aldo Andrade (PSDC) – ocorrido em 22 de setembro de 2012 –, coloca o secretário sob suspeita de favorecimento político à família Teles. Aldo era adversário ferrenho dos Teles, mas a polícia apontou como motivação uma questão de terras ao ‘elucidar’ o crime.

A gravação, da qual o Jornal Pequeno obteve cópias, foi realizada involuntariamente quando, um dia após o assassinato, uma rádio de Barra do Corda aguardava para entrevistar Aluísio e o microfone aberto flagrou o secretário ao telefone falando com um interlocutor não identificado:

‘(…) que a polícia não identificou nenhum sinal de problema político na morte do vereador (…) que senão ele vai espernear lá o Milhomem, mas foi ELA quem mandou… Para ELE avisar lá (risos) os apoiadores dele…’, diz Aluísio Mendes, sem identificar quem é ELA e ELE citados na conversa.

ELA, deduz-se, certamente seria alguém hierarquicamente acima do secretário, para ‘mandar’. ELE poderia ser algum dos Milhomem (Tatá ou Aristides) ou alguém da família Teles.

A polícia insistiu na questão fundiária como motivação e acabou prendendo, em setembro passado, Jamys Rodrigues Silva, Jonas Fernandes Almeida, Jadison Silva Costa, Douglas Ferreira da Silva e Robson da Silva Santos, como envolvidos na execução do crime. Depois, pediu as prisões preventivas de outras duas pessoas, acusadas de serem mandantes do assassinato: um vereador – também adversário político da família Teles –, Paulo Lima Bandeira (Paulim Bandeira, do PC do B), e seu suplente, Wilson Silva Sousa.

O pedido foi negado em 7 de dezembro pelo juiz titular da 2ª Vara de Barra do Corda, João Pereira Neto. O magistrado alegou que ‘o Serviço de Inteligência da Polícia Civil não encontrou nada de relevante’ em ‘grampos’ efetuados contra os terminais telefônicos de Paulim e Wilson. Paulim Bandeira se reelegeu em outubro.

(Oswaldo Viviani)

Secretário Aluísio nega direcionamento de investigações

Em contato por telefone, na manhã de ontem (12), o secretário de Segurança Pública do Maranhão, Aluísio Mendes, negou ao Jornal Pequeno que a ‘linha Barra do Corda’ tenha sido desprezada na investigação dos assassinatos de Décio Sá e Fábio Brasil.

Disse o secretário ao JP:

‘Nos detivemos em duas linhas principais – a que levava ao Gláucio Alencar e a de Barra do Corda. No decorrer das investigações, provas contundentes mostraram que a linha mais verossímil era a que apontava na direção de Gláucio, em ambos os homicídios. Os advogados do Gláucio estão em seu papel, de lançar dúvidas sobre o trabalho da comissão de delegados, que conduziram os trabalhos com tranquilidade e serenidade. Desconheço se houve ligações de Júnior Bolinha a Pedro Teles e se o delegado Jeffrey tenha se negado a incluir no inquérito essas supostas ligações’.

Aluísio Mendes admitiu o teor da gravação sobre o ‘caso Aldo Andrade’ e reafirmou que o assassinato do vereador não teve motivação política, mas não revelou quem é ‘ELA’, que teria ‘mandado’ descartar essa motivação para o crime do vereador, inimigo ferrenho da família Teles. ‘Não me lembro do contexto em que essa palavra ['ELA'] teria sido dita, afirmou Aluísio Mendes.

2 Comentários

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  1. Olha só o que faz o Poder. O programa Domingo Espetacular da record, ia fazer uma matéria justamente sobre este fato, as omissões da investigação do caso Décio.
    Mas eis que no programa veiculado ontem, foi feita apenas uma lúdica entrevista com o preso Jonatan. Por que será, e quem será que conseguiu esta mudança de foco da matéria jornalistica???

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  2. POIS É, VAMOS PERGUNTAR PRA ANA JANSEN

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