PROFISSÃO
JUIZ
O
Conselho Nacional de Justiça exagera no seu poder de punir enquanto o Conselho
Nacional do Ministério Público faz vista grossa para infrações cometidas por
promotores e procuradores. O resultado desse desequilíbrio são acusadores
implacáveis e juízes amedrontados.
A
análise crítica é de Ali Mazloum, juiz federal há quase 20 anos e também vítima
de uma investigação bem divulgada e mal feita que só foi para o arquivo quando
chegou ao Supremo Tribunal Federal. Ele e seu irmão Casem Mazloum foram
afastados do cargo de juiz por acusação fantasiosa de venda de sentenças, na
operação anaconda. Ministros do STF classificaram a denúncia como inepta, bizarra,
cruel. Os dois voltaram ao cargo.
Ali
Mazloum ficou três anos fora das funções e diz que “estar dos dois lados do
balcão” mostrou o quanto é nocivo para o direito de defesa o juiz se aliar à
Polícia ou ao Ministério Público no processo. O papel do juiz é assegurar um
processo justo, reforça Mazloum.
“Se
justiça significar a absolvição, o acusado será absolvido mesmo que eu esteja
na mira de um revólver. Da mesma forma, se ser justo significa condenação,
então condenarei ainda que sob as piores ameaças ou em prejuízo da carreira”,
deixou claro em entrevista à ConJur.
O
titular da 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo foi responsável pela
condenação no ano passado de Protógenes Queiroz, o idealizador da operação
satiagraha, deflagrada para investigar acusações de evasão de divisas e lavagem
de dinheiro contra o banqueiro Daniel Dantas e que foi derrubada pelo Superior
Tribunal de Justiça, por irregularidades nas provas.
Em
decisão de 46 páginas, Ali Mazloum aceitou o inquérito conduzido pelo delegado
Amaro Vieira Ferreira. De acordo com o documento, Protógenes divulgou conteúdo
da investigação coberta por sigilo e teria forjado prova usada em Ação Penal da
6ª Vara Federal. De acordo com a sentença, houve "práticas de
monitoramento clandestino, mais apropriadas a um regime de exceção, que
revelaram situações de ilegalidade patente". Hoje, Protógenes Queiroz é
deputado, pelo PCdoB.
Durante
a entrevista, o juiz federal também falou sobre a falta de criatividade de
integrantes do Judiciário, que preferem aguardar mudanças legislativas a pensar
estratégias de resolver a situação do próprio gabinete, da própria vara.
Contra
a apatia, em 2007, arregaçou as mangas e criou o que chama de processo-cidadão.
Tinha 4 mil processos e não sabia dizer em quanto tempo eles receberiam uma
decisão. Hoje, tem 250 ações em seu gabinete e as partes já sabem que em 10
meses a sentença será assinada pelo juiz.
Entre
os métodos usados, como contou à revista Veja, está o de fazer com
que o réu garanta a presença das testemunhas de defesa no dia da audiência. Os
seus auxiliares também são instruídos a usar torpedos, e-mails e ligações para
garantir a presença das partes. “Hoje minha equipe abraça nosso método de
trabalho com muito carinho e está sempre motivada para dar marcha ao serviço de
forma eficaz.”
Ali
Mazloum é filho da dona de casa Kadige e do mascate Mohamad Mazloum. O casal
saiu do Líbano onde eram lavradores para tentar a vida no Brasil. Aos 27 anos e
sem saber português, o pai vendia roupas, cobertores e toalhas na Vila Formosa,
bairro da zona leste de São Paulo. Dos oito irmãos, cinco entraram para o
sistema judiciário brasileiro. Saad, Nadim e Omar são promotores de Justiça.
Casem passou 19 anos na Justiça Federal e decidiu guardar a toga em fevereiro
deste ano. Hoje, ele se dedica à advocacia e à ONG ABC dos Direitos (Associação
Brasileira da Cidadania e dos Direitos Elementares).
Hoje,
Ali Mazloum passa uma temporada em Portugal. Passou em primeiro lugar no
concurso feito pela AMB de mestrado. Está licenciado até as suas aulas
presenciais terminarem, em junho de 2012.
Leia a entrevista:
ConJur — O que
é ser juiz hoje no Brasil?
Ali
Mazloum
— Em primeiro lugar, ser juiz é reconhecer a sua própria falibilidade e,
ao mesmo tempo, saber que tem o dever legal e moral de ser o mais justo
possível. Os piores juízes são aqueles que acreditam que a toga tem o condão de
torná-los mais sábios e suas decisões as mais acertadas. Um juiz mal ingressa
na carreira e já está fazendo acerbas críticas às decisões do STF, como se
fosse ele o verus doctor. Acredita que a aprovação em concurso
público o coloca acima dos demais. Ora, ser justo não tem nada que ver com o
cargo. Exige prática constante. Isso quer dizer que a justiça é uma construção
diária, em cada ato da vida, esteja o juiz no Fórum ou não. Alguém que maltrata
um familiar, ofende o empregado de um supermercado ou outro motorista no
trânsito, certamente não será um bom magistrado. Em suma, o serviço prestado
por um juiz não é algo sacrossanto, um sacerdócio que o faz especial. A função do
juiz não é a de buscar honras e méritos. O juiz deve ter a consciência de que,
se a sociedade um dia encontrar uma outra fórmula para resolver seus conflitos,
sua função será fatalmente extinta. Enquanto isso, deve exercitar a humildade
diariamente na busca de conhecimento para melhor julgar.
ConJur — Como
o senhor se sente em relação ao jurisdicionado, aos advogados, ao Ministério
Público e à imprensa?
Ali
Mazloum
— Confiante e tranquilo, pois com simplicidade procuro agir com franqueza
e transmitir segurança. Deixo claro que meu objetivo é buscar o certo para dar
ao caso a melhor solução, com justiça. Se isso significar absolvição, o acusado
será absolvido mesmo que eu esteja na mira de um revólver. Da mesma forma, se
ser justo significa condenação, então condenarei ainda que sob as piores
ameaças ou em prejuízo da carreira. Essa postura pode até criar tensões, sendo
natural que uma atuação isenta acabe contrariando algum dos interesses em
disputa — internos ou externos. Quando você tem a consciência de estar fazendo
o seu melhor, que busca realmente ser apenas um facilitador na solução dos mais
variados conflitos humanos — e por vezes dramáticos —, então você consegue
lidar com essas pressões com serenidade, não se deixando levar pelo clamor das
ruas. Infelizmente, hoje existem juízes que ouvem as vozes das ruas antes de
decidir. Creio que o Judiciário vive uma espécie de crise existencialista, com
alguns juízes, por conta disso, lançando-se ao populismo para se mostrarem à
sociedade.
ConJur — Como
é que a aflição de ser justo, rápido, eficiente impacta a sua vida familiar?
Ali
Mazloum
— Tenho uma ótima convivência familiar. Sempre soube separar as coisas.
Creio que alcancei um alto índice de produtividade, um bom grau de eficiência,
sem levar serviço para casa. Julgo dentro dos melhores padrões internacionais e
bastou mudar a metodologia de trabalho. O Processo-Cidadão é a prova disso.
Aliás, é preciso acabar com essa cantilena de que juiz trabalha em casa. Juiz
que leva serviço para casa é um mau administrador, julga mal, e consegue ser
ruim em casa e no Fórum.
ConJur — O
senhor foi um dos muitos alvos de um descontrole acusatório em que se inventou
uma falsa luta do “bem” contra o “mal”. Enfrentou acusações indevidas que foram
derrubadas mas só depois de muita exposição negativa. Como foi esse
aprendizado? No que isso influiu na sua forma de ver os réus, o trabalho
policial e do Ministério Público?
Ali
Mazloum
— Sou um otimista e aprendi desde cedo, em razão da vida dura de pais
imigrantes, que das piores adversidades pode-se extrair coisas muito positivas.
Depende de sua capacidade de reação e postura diante do mundo. Aprendi que
honra não é o que te concedem, mas aquilo que você carrega como parte
indissociável de seu caráter. Esta ninguém destrói. Então, não me deixei abater
e tinha a certeza de que daria a volta por cima. No curso do processo vi o
quanto é perniciosa a atitude de um julgador que se alia incondicionalmente ao
trabalho policial ou do Ministério Público. Sei muito bem o que é estar à mercê
de tartufos togados, fazer parte de um processo em que a decisão já está tomada
e aguarda-se apenas a formalidade do processo para o veredito final. Estar dos
dois lados do balcão, para além de conhecer essa face oculta do Judiciário,
deu-me material para falar com autoridade sobre os problemas do Judiciário,
autoridade esta que poucos juízes têm.
ConJur
— Algumas
pessoas afirmam que só mudou depois de ter sofrido na própria carne uma
injustiça.
Ali
Mazloum
— Isso é pensar pequeno. É falso. Tantas pessoas sofreram injustiças e se
calaram para sempre. As alterações devem-se apenas ao fato de ter conhecido
essa face mais sombria do Judiciário e MPF, e, com isso, ter a disposição de
enfrentá-la. Poderia ter ficado quieto, mas motivos morais e éticos não aceitam
minha omissão. O mesmo posso dizer das medidas penais e civis que intentei
contra membros do MPF, hoje réus em várias ações. É pequenez falar em vindita.
Minhas ações têm o claro propósito de evitar que outras pessoas sejam alvo de
atentados similares, lutar contra o atual quadro de irresponsabilidade que
permeia a atividade do MPF.
ConJur
— Como o senhor interpreta a influência do MPF no TRF-3?
Ali
Mazloum
— É nefasta por dois motivos básicos. Primeiro, porque temos juízes que
acreditam cegamente que o MPF busca tal como o juiz distribuir justiça, e
segundo, em razão do trabalho desenvolvido pelo MPF que está bem aquém do
mínimo desejável. Essa combinação acaba gerando graves injustiças como aquela a
que fui submetido. E ainda hoje alguns membros do TRF-3 e do MPF insistem em
investir contra mim, numa clara demonstração de que não apenas perderam o senso
de justiça, como perderam também o senso do ridículo, conforme já havia
constatado o ministro Gilmar Mendes. Esses péssimos agentes em qualquer lugar
sério estariam fora dos quadros públicos.
ConJur
— Como explicar a onda populista que apanhou o Judiciário? É o cansaço da
percepção da impunidade? Vontade de aparecer como herói perante a população
leiga?
Ali
Mazloum
— É engraçado, vejo muitos juízes reclamarem da impunidade como se eles
não tivessem nada que ver com isso. Magistrados em fase de despedida da
judicatura reclamando que “colarinho branco” não vai para a cadeia, sem que ao
longo da carreira tivessem eles mesmos representado qualquer tipo de incômodo
ao poder econômico. Juízes que colocam a culpa sempre nos outros, ora é a falta
de leis ora a falta de verbas, como se a responsabilidade fosse do Legislativo
ou do Executivo. Isso é uma falácia. O juiz deve assumir sua responsabilidade
social. Mas o que vemos hoje é o perfil de juiz que perdeu o senso de justiça,
de imparcialidade, o juiz “faz tudo” para ascender na carreira, aquele que não
quer entrar em dividida para não perder crédito político com vista à eterna
busca por promoções. Esse quadro acabou fragilizando em demasia o Poder
Judiciário, incapaz de dar respostas efetivas às demandas sociais. Com isso vem
o descrédito da população. É nesse cenário dramático, de crise de identidade do
Judiciário, que surgem os juízes justiceiros, famosos por criar na sociedade
uma expectativa ilusória de punição. Nesse trabalho, atropelam a Constituição
Federal e passam por cima da lei, criando nulidades processuais que acabam
aumentando ainda mais o fosso da impunidade. Esses falsos heróis desfilam
pelas ruas como bípedes emplumados, jogando a população contra aqueles que
tentam manter de pé os alicerces da democracia.
ConJur
— Como o senhor compara o trabalho desenvolvido pelo CNMP em comparação com o
CNJ?
Ali
Mazloum
— Tanto o CNMP como o CNJ atuam de um modo geral muito mal, pois não
encontraram ainda o justo-meio. Atuam nos extremos, um como órgão de proteção,
outro como órgão de punição. Observo que o CNMP foi acometido do mal do
corporativismo, fazendo vista grossa para infrações que em qualquer país
minimamente sério acarretariam severas punições. Ao lado disso, percebe-se seu
engajamento político cada vez maior na busca de mais poderes para a instituição
do Ministério Público, mesmo não sendo esta a sua missão constitucional. O CNJ
exagera no seu lado punitivista, deixando ao relento sua tarefa precípua em uma
democracia que é a de ser um garantidor e fomentador da independência
jurisdicional. A somatória disso é muito grave, com acusadores implacáveis sem
responsabilidade, e de outro lado julgadores acuados e subservientes para não
serem incomodados. Perde a democracia, perde a justiça, perde a sociedade com
um Judiciário frágil e cada vez menos criativo para as urgentes mudanças que se
fazem necessárias. E posso concluir dizendo que antigas práticas continuam
exatamente como sempre foram: politização para galgar a carreira, confusão
entre o público e o privado, privilégios que remontam ao velho estilo
imperialista de poder, como, por exemplo, o uso de carros oficiais por
desembargadores. Sei que temos muitos juízes honestos contrários a tudo isso,
mas é preciso agir, levantar a voz, não se pode neste momento permanecer
omisso.
ConJur
— Qual foi o sentido de terem tirado da sua Vara o inquérito destinado a
investigar a satiagraha? Foi também um pedido do MPF?
Ali
Mazloum
— Nos meus quase 20 anos de magistratura deparei-me com muitos paradoxos,
e por ter sido objeto de alguns deles pude compreender a exata dimensão de
nossas instituições, e o modelo fracassado de funcionamento. Vejam o caso do
Ministério Público na busca incessante do poder investigatório. Para quê?
Estamos repletos de exemplos de casos que foram engavetados pelo órgão quando
estariam a merecer rigorosa investigação. Então passaremos a ter uma atuação
discricionária e seletiva de investigação. O atrelamento político do chefe da
instituição e sua subserviência ao poder Executivo é patente e da tradição do
nosso sistema. E o Executivo já tem o controle da Polícia Judiciária. Mudar
essas regras sem mudanças no sistema é estabelecer definitivamente um modelo
gramsciano de Estado, com um Executivo dotado de superpoderes. E o pior é que
estamos caminhando para isso.
ConJur
— Quais mudanças seriam necessárias para que o MP tenha o poder de investigar?
Ali
Mazloum
— Somente poderíamos aceitar um poder investigatório aos membros do MP se
alterássemos, antes, a forma de nomeação do Chefe da Instituição, nos planos
federal e estadual. Conheço muitos promotores de Justiça e procuradores da
República muito bem intencionados, preparados para as mais difíceis
investigações, mas creio que não podem ficar alheios a essa distorção. Gostaria
de vê-los antes lutando contra a hierarquização na carreira e contra a
tradicional dependência política ao Executivo. O caso a que você se referiu é
mais um daqueles paradoxos. Em casos semelhantes não só na 7ª Vara Criminal
como em outras, o MPF lutou para que a investigação permanecesse na mesma Vara.
Em casos semelhantes nunca alegou nulidade por ter o juiz requisitado de ofício
documentos, até porque tais elementos de prova deveriam ser do interesse de
qualquer investigador ou acusador minimamente preparado. Mas o caso está
repleto desses paradoxos.
ConJur
— O tipo de notícia que mais sucesso faz — o que acaba forçando uma produção
artificial — é a que trata de corrupção. Em especial no setor público e na
política. A precariedade do sistema, a baixa qualidade da mão de obra, a
ineficiência e a falta de controles no serviço público não parece incomodar
muita gente. Com os seus anos de serviço público, do momento em que o senhor
chega ao trabalho até ir pra casa, o que o senhor vê mais: venalidades ou
disfuncionalidades?
Ali
Mazloum
— A corrupção é o maior problema hoje do Brasil e está incrustada em todos
os setores do serviço público, nos três níveis tradicionais de poder:
Executivo, Legislativo e Judiciário. E se entendermos a corrupção como um mal
que não está apenas associado ao dinheiro, ao recebimento de vantagens
econômicas diretas, mas também à troca de favores com vistas a qualquer tipo de
ganho, como promoção na carreira, ascensão funcional, então podemos concluir
que a corrupção grassa em grande escala também no Judiciário. Não existe um
poder mais corrupto que o outro quando todos utilizam do mesmo sistema no
exercício das funções. E é enganoso dizer que a sociedade é corrupta e
tolerante. A sociedade abomina a corrupção. Ela decorre, portanto, de um
sistema político equivocado e tem causas objetivas.
ConJur
— Há interesse de mudar esse sistema?
Ali
Mazloum
— A corrupção pode ser eficazmente combatida, mas não há interesse em
mudar. O Executivo para governar distribuiu vantagens ao parlamento, que vão
desde cargos até a aprovação de emendas orçamentárias. O Judiciário com sua
independência cada vez mais reduzida adere no atacado ao sistema político para
viabilizar seus projetos legislativos e verbas orçamentárias, e no varejo, cada
qual enxergando apenas a sua própria carreira e seus projetos pessoais de
promoções, entram cegamente no jogo de poder na busca de cacife político. É
preciso mexer nessas regras do sistema. Então, sendo mais específico, no
Judiciário é possível dizer que tanto a disfuncionalidade como a venalidade
estão presentes como doenças que se alimentam uma da outra para piorar ainda
mais o estado de saúde do paciente. A morosidade acaba sendo um ótimo artifício
para o juiz corrupto, que pode escolher o que e quando julgar, de acordo com as
suas próprias conveniências e oportunidades. No fundo, não vejo muito interesse
em se mudar esse quadro.
ConJur
— Como o senhor organizou a sua Vara?
Ali
Mazloum
— Venho trabalhando de forma estratégica desde 2007, quando a Vara tinha
um acervo de 4.000 feitos aproximadamente, dentre eles 1.300 ações penais, com
casos complicadíssimos e processos com até 100 volumes. Atuei durante a maior
parte do tempo sozinho, enquanto algumas Varas chegaram a ter até três juízes
concomitantemente. Isso se deve a fatores políticos que marcam nossa Justiça
Federal da 3ª Região. Sabia que não poderia contar com o Tribunal para dar
conta da grande demanda e tinha minhas experiências pessoais que apontavam
exatamente para os gargalos que deveriam ser focados para obter maior
celeridade e eficiência. No início, o trabalho foi muito mais braçal, não saía
nem mesmo para almoçar. Levava de casa duas frutas que me sustentavam durante o
dia. Enquanto as estratégias eram colocadas em prática, os primeiros resultados
já podiam ser sentidos. Aplicamos o lema de que todo o esforço inicial em cada
processo se reverteria em benefício ao final. Prestar maior atenção na
qualidade das denúncias evitava a abertura de um processo que seria apenas um
estorvo. A concentração de atos para se evitar o vaivém do processo, as
pesquisas antes de se deflagrar alguma citação ou intimações. Enfim, nossa
preocupação no manuseio do processo tinha duas vertentes: respeito ao cidadão
processado e respeito à sociedade que paga nossos salários e quer ver
resultados.
ConJur
— Que resultados teve?
Ali
Mazloum
— Atualmente temos apenas 250 ações penais em andamento. Isso significa,
para além da qualidade que se pode dar ao serviço, uma economia financeira
gerada aos cofres públicos na ordem de 82%. É espantoso. A 7ª Vara custava à
sociedade cerca de R$ 2,150 milhões em 2007, ao passo que hoje custa R$ 106.407
Com essas mudanças, percebi, também como cidadão, o quanto o Estado é caro,
como usa mal seus recursos. Enfim, a sociedade paga muito caro por um Estado
ineficiente. Em todos os setores do serviço público um choque de gestão pode
reverter em grande economia. Com o Processo-Cidadão quis mostrar e provar que é
possível mudar e a Vara está aberta para quem quiser ver essas mudanças.
ConJur
— Como o senhor chegou à conclusão de que esse é o melhor caminho?
Ali
Mazloum
— Para fazer algum sentido o trabalho de julgar, era necessário buscar
novos caminhos. Os resultados eram péssimos, com alto índice de prescrição.
Essa é a realidade da Justiça Criminal no país como um todo. Para obter
resultados diferentes não poderia continuar andando por onde todos teimam em
andar. Reconhecer que o Judiciário vai mal foi o primeiro passo. Assumir a
responsabilidade pelas mudanças foi outro passo. Depois, extrair de minhas
próprias experiências pessoais lições úteis foi decisivo para encontrar o
caminho certo a ser trilhado. Em 2006, quando apresentei o modelo que pretendia
aplicar aos funcionários, ninguém acreditou que daria certo. Mas eu tinha
certeza de que seria um sucesso e que os resultados poderiam ser sentidos logo
nos primeiros meses. Hoje minha equipe abraça nosso método de trabalho com
muito carinho e está sempre motivada para dar marcha ao serviço de forma
eficaz.
ConJur
— O senhor também fez mudanças na sala de audiências para que o representante
do Ministério Público sentasse no mesmo nível da defesa. Qual a importância
dessa mudança para o réu?
Ali
Mazloun
— Creio que essa importante questão constitucional está finalmente sendo
discutida pela comunidade jurídica. Trata-se da simbologia que o devido
processo legal representa em um Estado Democrático de Direito. Veja o exemplo
do uso das algemas pelo réu durante uma sessão de julgamento. Os jurados podem,
sim, ser influenciados por esse aspecto cênico do processo, conforme muito bem
reconheceu nossa Suprema Corte. E termos um sistema em que o MPF tem assento ao
lado do juiz não tem amparo em nenhum princípio democrático do processo.
Estamos seguindo apenas uma tradição que vem do regime de opressão militar. O
MPF agia como longa manus do regime de força. Isso ainda
ocorre nas piores ditaduras, seja de esquerda ou de direita. O Leste Europeu
ainda tem resquícios desse tipo de representação do totalitarismo. E temos aqui
no Brasil alguns membros do MPF que têm a ousadia de dizer que o assento à
direita do juiz deve-se ao fato de representar a instituição o Estado na
acusação. Ora, esse é justamente o fundamento que ampara tal modelo na Síria.
Temos de mudar essa situação e é o que tenho tentado fazer. Levei a questão ao
STF e ainda não há decisão. Todas essas mudanças têm origem no Processo-Cidadão
que está sendo aplicado na 7ª Vara.
Lilian Matsuura é
chefe de redação da revista Consultor
Jurídico.
Márcio Chaer é
diretor da revista Consultor
Jurídico
Revista Consultor Jurídico, 22 de dezembro de 2011